PEREGRINAÇÃO: NOS PASSOS DE EDITH STEIN

PEREGRINAÇÃO: NOS PASSOS DE EDITH STEIN

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A imagem de Deus no homem

Carlos Daniel Nascimento

Por meio dessa investigação que estamos fazendo do homem e seguindo o itinerário de Edith Stein, percebemos que o homem é uma criatura limitada. Até que ele chegue à perfeição definitiva, ele não está inteiramente formado, como consta na citação: “Todo ente finito é uma plenitude limitada e informe, mas não está inteiramente informe até sua perfeição definitiva.” (STEIN, 1996, p. 430).

Edith, mesmo partindo da idéia de Santo Tomás, vai mais além e concebe o ser humano da seguinte forma:

O ser humano é um ser que possui um corpo, uma alma e um espírito. Enquanto o homem é, por sua própria essência, espírito, ultrapassa a si mesmo, com sua vida espiritual e entra no mundo que se abre diante dele, sem que perca nada de si. Nele se revela sua essência, como em todo produto real, ao expressar-se de modo espiritual, mesmo em seus atos inconscientes, e sobretudo, ao atuar pessoal e espiritualmente. A alma humana, enquanto espírito, se eleva em sua vida espiritual acima dela mesma. No entanto o espírito humano está condicionado pelo que lhe é superior e pelo que lhe é inferior: está contido num produto material que anima e forma de acordo com sua forma corporal. A pessoa humana carrega e engloba seu corpo e sua alma, mas ela é, ao mesmo tempo, levada envolta por eles. (STEIN apud GARCIA, 1987, p. 59).

Expressamos mais uma vez o pensamento de Edith sobre a constituição da pessoa humana, mas dessa vez deseja-se evidenciar que o homem não é só espiritual, mas o que é espiritual está dependente do que é corpóreo (matéria e forma). Devemos compreender, pois, o que significa matéria e forma. Podemos entender a matéria como um princípio informe, indefinido e indeterminado, presente e comum em todos os seres da natureza, que adquire alguma forma universal advinda de sua natureza. A forma pode ser compreendida como a configuração externa das coisas, o princípio que determina, modela ou delineia a matéria bruta. “Os escolásticos não se ativeram rigorosamente a essa terminologia aristotélica e estenderam o termo forma a qualquer substância, falando de “formas separadas” para indicar as idéias existentes na mente de Deus” (ABBAGNANO, 1999, p. 468-469).

Tendo em vista que todo ente[1] finito é uma plenitude limitada e sem forma (não inteiramente) até que alcance a sua plenitude definitiva, consideremos o homem, que como todo ser criado, aspira por essa plenitude. A matéria, pertencente à realidade finita, constitui juntamente com a finitude aquilo que opõe a criatura ao criador e a faz diferente dele. A forma e a matéria dependem com exatidão uma da outra, ou seja, estão intrinsecamente interligadas, pois uma é necessária à outra, se complementam. A plenitude está no que é comum às duas. A forma tem como característica: o fato de ela ser uma plenitude sem forma, determinante e atuante. A matéria é uma plenitude indeterminada cuja função é adquirir uma forma e uma ação. Nesse processo, quando a matéria se une à sua forma, ela se determina e passa a atuar no sentido da forma. Matéria e forma estão intrinsecamente interligadas pela essência.

As obras humanas supõem tais produtos naturais que recebem um sentido novo por uma ação que vem do exterior. Enquanto que formam uma unidade de sentido e de vida, os produtos criados são imagens da essência divina. Por sua materialidade se distinguem dela. (STEIN, 1996, p. 431).

O caminho proposto por Edith Stein é uma tentativa de compreender o ser finito através dessa relação com o ser eterno. Por meio desse caminho, o ser humano amplia seus horizontes na busca de compreender o sentido do ser, que se dá por meio desse desvelamento do mistério, ou seja, aquilo que está obscuro à nossa razão. Entretanto, seria impossível se pensar um caminho onde se partisse do ser divino para compreender a criatura. O pensamento Steiniano nos apresenta uma hermenêutica do arquétipo da trindade como possibilidade de uma nova luz sobre o conhecimento do ser. Partindo dessa tentativa, pretende-se compreender a multiplicidade das pessoas divinas.

Igualmente temos chegado ao limite das aclarações que se pode adquirir sobre o criador partindo das criaturas, para elevar-nos até as revelações que Deus nos tem feito de si mesmo. Sem tomar este caminho, seria impossível, partindo do ser divino, compreender o ser criado. Trata-se então de encontrar na divindade trinitária o arquétipo do que temos descrito no campo do criado como sentido e plenitude de vida. (STEIN, 1996, p.431-432).

Nessa citação feita, percebe-se o deixar transparecer de Edith no que se diz respeito ao seu método fenomenológico, que se faz presente em toda a sua obra. Quando ela busca as revelações que Deus faz de si mesmo, o método fenomenológico é facilmente identificado, pois a fenomenologia nos permite voltarmos às coisas no que elas são em si, deixando de lado todo e qualquer preconceito.

O ser divino é espírito e transparece a si mesmo, e produz, desde toda eternidade, a imagem do seu ser. Tendo em vista que o Espírito Santo é dom de si, ele contém em si todos os dons do ser eterno que faz a criatura. A sabedoria divina possui tudo o que é criado no logos (razão) enquanto sabedoria personificada. Ela é, pois, o arquétipo, e possui todas as determinações da essência das criaturas, ou seja, tudo o que devem ser. A sabedoria divina, em seu amor é quem suscita a existência e dá vida às criaturas, por isso:

Desde a eternidade a potência existencial ou a força de desenvolver sua essência, o Espírito Santo, enquanto a pessoa da vida e do amor é o arquétipo de toda vida e de todo ato criado e a irradiação espiritual da essência particular, que é próprio também dos seres materiais. (STEIN, 1996, p. 434).


[1] Ente: cada um dos seres múltiplos e concretos da realidade (o homem, a natureza) que não se confundem com o ser em si, o Ser ou a realidade absoluta.

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