PEREGRINAÇÃO: NOS PASSOS DE EDITH STEIN

PEREGRINAÇÃO: NOS PASSOS DE EDITH STEIN

terça-feira, 14 de julho de 2009

DA ESTRUTURA BÁSICA DA ALMA À ESPÉCIE DE ALMA FEMININA

Moisés Rocha Farias


Para podermos refazer o itinerário que levou Edith Stein à descoberta da especificidade da alma feminina, bem como o que a norteou e deu sentido a sua busca filosófica tornando-se objeto da realização específica de seu ser único e irrepetível na história humana, nos é necessário compreender o sentido de alma para nossa autora a mesma. Mas, antes mesmo de apresentarmos como E. Stein a concebe, se faz necessário um conceito geral:

O conhecimento e a compreensão da realidade da alma do ser humano, e a expressão desse conhecimento, sofreu suas lógicas vicissitudes ao longo da historia; mas, de uma maneira ou de uma outra, com sucesso maior ou menor, não faltaram nos tempos diversos, thinkers, escolas, etc. (salvo as exceções, por demais duvidosas, do materialismo, v.). De modo que se pode dizer que o conhecimento da alma humana, bem como principio vital general, bem, ao menos, como principio de conhecimento, de consciência e da vontade, bem como o imortal e imperecível de cada ser humano individual, é algo que pertence ao conhecimento natural, espontâneo e mais ou menos imediato, de todo homem”.[1]

E esta é a concepção de alma que Edith Stein assimila:

“Aparece como a ação combinada de forças diferentes: a força sensível, que se apresenta a respeito da apreensão dos dados sensíveis e nos impulsos sensíveis, e a força espiritual, que é uma força totalmente nova e diferente da primeira e se manifesta nas atividades e capacidades espirituais”.[2]

Em outras palavras, a alma é parte integrante na tríplice estrutura humana corpo-alma-espírito. Como estrutura, tanto o homem como a mulher “têm em seu ser as mesmas características humanas básicas”. [3] Assume uma dupla função: “quanto espírito, se eleva em sua vida espiritual acima dela mesma”. [4] ao corpo porém, “esta se manifesta... à semelhança dos animais”. [5]

Tal diferenciação homem-animal, se dá pela compreensão da alma sensitiva e da alma espiritual. Pode se afirmar certa semelhança desta primeira entre homem e animal, em sua força instintiva, em suas realidades sensoriais com os cinco sentidos que revelam a realidade de uma vida interior mesmo que restrita às emoções:

“É possível, portanto, detectar na esfera vital dois níveis, um sensível (sinnlich) e outro espiritual (geistig). Por um lado eles estão conexos de forma tal que a força espiritual é condicionada por aquela sensível – normalmente, de fato, a vivacidade do espírito desaparece com o cansaço do corpo – por outro lado, podemos constatar também a independência dos dois momentos – por exemplo, reconheço o valor de uma obra de arte, mas sou incapaz de sentir entusiasmo.” [6]

A partir deste momento desenvolve-se a distinção animal e homem. No homem e na mulher a alma sensitiva por ser restrita, limita-se a reagir aos dados apreendidos pelos sentidos que pela alma espiritual dá consciência não só do que foi apreendido, bem como a ação-reação do dado obtido. Só o homem e a mulher sabem que estão com frio ou alegres e só eles têm a liberdade de reagirem adequadamente, pois suas almas espirituais lhes capacitam a uma elevação daquilo que lhes são puramente animal dando-lhes uma maior amplitude em seus interiores pondo-lhes em contato com o transcendente.

O homem e a mulher vivem aqui a liberdade; essa é a essência de sua pessoa o que os caracteriza como um ser racional, capaz e humano em seu sentido mais genuíno. Sendo que tanto no homem quanto na mulher essas duas atividades da alma sensitiva e da alma espiritual estão em perfeita conexão. Ainda que se possa pensar em duas almas distintas nesse contexto, porém no ser humano existe somente uma alma com duas dimensões.

Em outras palavras, a vida do ser está entrelaçada pelos jogos de estímulos e respostas. É aqui que a alma desempenha sua função de intermediária entre o corpo e o espírito. Pelo conceito de alma é possível encontrar a posição adequada do Homem que está acima dos animais, pois se sabe de sua existência e dos movimentos de sua sensibilidade bem como de que ele não é puro espírito haja vista sua existencialidade. Dessa maneira, a alma é o principio de unidade do corpo humano. Ela e o corpo não são dois seres distintos; mas princípios distintos do mesmo ser. A alma constitui um “espaço interior no qual o eu se move livremente”. [7] Segundo Stein o interior é o ‘lugar’ onde a alma é a possessão de si mesmo tornando o eu consciente e livre para decidir suas ações.

Após um esboço geral do que seria a alma para Edith Stein e dos conceitos que nos facilitarão na compreensão do seu itinerário, agora apresentaremos as duas análises: a fenomenológica e a aristotélico-tomista, respectivamente, que apesar de serem independentes, porém são compatíveis entre si. Ambas possibilitaram a descoberta steiniana.

Análise fenomenológica

Utilizando o método fenomenológico[8][9] que compreende um processo abstrativo partindo do fenômeno, aquilo que primeiro salta aos olhos, Edith Stein analisa o ser humano em seus diversos níveis em busca da essência humana, o que de fato caracteriza o ser humano e de forma especial a mulher.

Em sua análise, Edith Stein percebe um feixe de diferenças, começando pela ‘hile’ (matéria) [10]. Percebendo que, anatomicamente, o homem possui diferenças nítidas em relação à mulher, bem como seu funcionamento se dá de maneira diversa. Existem aparelhos biológicos distintos nos diferentes sexos e logo lhe vem uma máxima tomista anima forma corporis [11]. Sob a luz deste princípio, E. Stein avança segura para sua descoberta. Com o discorrer do método, que cada vez mais suspende o resultado da análise para um campo transcendente do então chegado, ela chega ao ‘ethos’:

“Na acepção do termo, ethos exprime algo duradouro que regula os atos do ser humano, não se trata de uma lei imposta de fora ou de cima, antes, é algo que atua dentro do ser humano, uma forma interna, uma atitude de alma constante, aquilo que a escolástica chama de hábito. Tais atitudes constantes da alma conferem à variedade de comportamentos uma determinada marca homogênia, e é através dessa marca que eles se manifestam externamente.” [12]

O ethos, também visto como hábito possibilita a E. Stein, constatar mais um feixe de diferenças no nível comportamental psíquico, por hora analisado. No seu escrito sobre “O Ethos das profissões femininas”,[13] ela desenvolve uma série de outras características desse ethos feminino:

“A atitude da mulher tem em vista o pessoal-vivente e visa o todo. Cuidar, velar conservar, alimentar e promover o crescimento: esse é seu desejo natural, genuinamente maternal. O inanimado, a coisa lhe interessa, precipuamente, na medida em que está a serviço do pessoal-vivente; menos em si mesma. Um outro aspecto está ligado a esse: por natureza, ela é avessa a abstrações em qualquer sentido. O pessoal-vivente, objeto de suas preocupações, é um todo concreto e requer os cuidados e incentivos com um todo”. [14]

Edith Stein em sua palestra, “A vocação do homem e da mulher de acordo com a ordem natural e da graça”, [15] enfatiza esta idéia: “Faz parte da dedicação feminina, ao desenvolvimento correto das pessoas próximas, a preocupação com a ordem e a beleza de toda a casa para que se crie um ambiente propicio ao desenvolvimento de todos”. [16] Segundo ela, a mulher tem uma predisposição maternal que se une à de ser companheira. A alegria, a felicidade da mulher consiste justamente em dividir, compartilhar com outra pessoa de si mesma.

Segundo E. Stein o ethos masculino é identificado da seguinte maneira:

“O corpo e a mente do homem estão equipados para a luta e a conquista segundo sua vocação original de submeter a terra e de tornar-se seu senhor e rei. Nele atua o impulso de sujeitá-la pelo conhecimento e assim apropriar-se dela pelo espírito, mas de adquiri-la também como posse, com os prazeres que ela tem a oferecer e, finalmente, de transformá-la em sua própria criação pela ação formadora.”[17]

Esta discrição nos faz tomar consciência de que o homem está mais voltado para os assuntos de seu interesse; não lhe é natural uma atitude de colocar-se no lugar do outro. O Ethos masculino mostra-se exatamente paralelo ao ethos feminino: sua vocação natural sendo para a conquista, para a luta e proteção, faz dele um ser que tem em si uma profunda limitação de abraçar o todo. O contato do homem com seu interior lhe é distante, dificultando a manifestação de seus sentimentos.

Se formos coerentes com a máxima tomista da anima forma corporis, somos inevitavelmente levados a concluir que:

“Só quem estiver ofuscado pela paixão da luta poderá negar o fato óbvio de que o corpo e a alma da mulher foram formados para uma finalidade específica. A palavra clara e incontestável da escritura expressa aquilo que nos está ensinando a experiência diária, desde o inicio do mundo: a mulher é destinada a ser companheira do homem e a mãe dos seres humanos. Para isso está preparado seu corpo, é a isso corresponde igualmente sua peculiaridade psíquica. A existência dessa peculiaridade psíquica é, outra vez, um fato evidente da experiência;... onde as forças são tão diferentes, deve haver também um tipo de alma diferente, apesar da natureza humana comum”.[18]

Que todos guardando a honestidade dos fatos da realidade não poderão negar suas conclusões. Essa percepção, Edith Stein irá alicerçar junto ao pensamento aristotélico-tomista, o qual passaremos agora a analisar, na perspectiva de encontramos embasamentos filosóficos que nos assegurem a existência de uma alma feminina.

Análise aristotélico-tomista.

Dentro do rigor científico, Edith Stein confronta sua conclusão fenomenológica com o pensamento tradicional e depara-se com questões básicas da ontologia formal. De maneira mais simples, o que Aristóteles[19] já apresentava na filosofia primeira ou metafísica, e que foi também desenvolvida por Tomás de Aquino[20]. Segundo Edith Stein.

“Essa questão básica das questões femininas remete, porém, aos princípios da filosofia. Para poder respondê-la de maneira satisfatória, é necessário ter clareza a respeito da relação entre gênero, espécie, tipo, individuo, isto é, a respeito dos problemas básicos da ontologia formal que, para mim, é aquilo que Aristóteles visava com sua primeira filosofia”. [21]

Tendo manifestado o ponto de partida de E. Stein, poderemos também nós seguir seus passos. Por questões de conveniência e em se tratando de conferências para pessoas leigas em filosofia, E. Stein esquiva-se dos pormenores filosóficos apesar, de como vimos na citação acima, nos dá sua fonte salvaguarda de seu pensamento. Portanto, iremos aprofundar os conceitos da tradição aristotélico-tomista que nos possibilitará uma melhor compreensão.

O ser em quanto ente,[22] traz em si a existência como complemento da sua essência. Entendamos por ato de ser, aquilo que o faz ser, existir, caracterizando-se a existência como uma unidade e não como contingência. Esta relação para com Deus porém, recebe outra conotação. Ele não recebe de outrem sua existência, pois Deus é a existência como substância simples, perfeita, verdadeira e elevada o qual se torna princípio dos outros seres. Como é o caso do homem que é substância composta de forma e matéria, corpo e alma são ambos necessários para constituir o ser humano.

Esta substância composta que é o ser humano é que constitui a essência do mesmo, um corpo sem a alma não deve ser tido como ser humano, bem como uma alma sem corpo, não dá existência ao mesmo ser, como bem nos define Santo Tomás de Aquino: “É evidente que a essência de uma coisa compreende a matéria e a forma”.[23] Edith Stein, por sua vez, delineia as características do ser humano da seguinte forma:

“O ser humano é um ser que possui um corpo, uma alma e um espírito. Enquanto o homem é, por sua própria essência, espírito, ultrapassa a si mesmo, com sua vida espiritual e entra no mundo que se abre diante dele, sem que perca nada de si... No entanto, o espírito humano está condicionado pelo que lhe é superior e pelo que lhe é inferior: está contido num produto material que ele anima e forma de acordo com sua forma corporal. A pessoa humana carrega e engloba seu corpo e sua alma, mas ela é, ao mesmo tempo, levada e envolta por eles.” [24]

Devemos, portanto, entender a matéria como a capacidade de possibilidade da assimilação; ela por si mesma é informe. Forma é, pois a configuração externa das coisas, é a força interior que determina a matéria, já que, “é a essência que através da forma que é ato da matéria, a matéria se torna ente em ato concreto”. [25]

“A matéria adquire o ser em ato pelo fato de adquirir a forma”. [26] É a partir dessa determinação e pontencialização para a matéria, que podemos falar da existência de algo. Sendo o ser humano existente ele é em si matéria e forma, princípios estes distintos de um mesmo ser. A forma, e só ela, é quem determina o que é essencialmente este ser ou aquele. [27]

Seguindo a teoria tomista de que a matéria signata com a forma nos possibilita a individuação dos entes, [28] E. Stein, vê a forma como uma força determinadora que faz com que as coisas se diferenciem uma da outra. E por meio da diversidade de formação da matéria podemos então transcorrer para uma compreensão de gênero e espécie. Pois o que temos em mente é a busca de uma conceituação e se torna impossível tal intento analisando um único individuo particular. Pois bem, a diferenciação entre gêneros se dá na maneira em que a matéria é formalizada. Entre as espécies por sua vez se constituirá um agrupamento de modalidades específicas: como a espécie é proveniente do gênero, tal decorrência significa que tudo que encontro na espécie deve ser encontrado no gênero.

Edith Stein usa o conceito espécie a modo próprio, para descrever aquilo que todas as mulheres têm em comum e todos os homens têm em comum respectivamente. Isso de maneira alguma destrói o conceito de que tanto o homem como a mulher estão inseridos no conceito de espécie humana, consagrado pela antropologia.

Certa forma concretizará uma determinada espécie que E. Stein define assim: “Por espécie entende-se aqui algo fixo que não muda. A filosofia tomista usa nesse caso também o termo forma, referindo-se à forma interna que determina a estrutura de alguma coisa”.[29] Portanto, chegamos ao conceito de espécie tendo em mente as diferenciações manifestadas pela matéria concretizada em um individuo que por sua vez diante da multiplicidade do mesmo nos possibilita uma agrupação de indivíduos que receberam os mesmos efeitos formalizantes. Quanto a isso Edith Stein esclarece:

“Segundo a minha convicção, a espécie humana se desdobra na espécie dupla homem e mulher; de modo que a essência do ser humano, em que não deve faltar nenhum traço de um ou de outro lado, se manifesta de dupla maneira revelando-se a marca especifica em toda a estrutura do ser. Não é só o corpo ou as funções fisiológicas que são diferentes, a vida toda no corpo é diferente, a relação entre a alma e o corpo é diferente, e no âmbito da alma difere a relação entre o espírito e a sensitividade bem como relação entre as diversas forças espirituais. À espécie feminina corresponde à unidade e a integridade de toda a personalidade psicofísica, o desenvolvimento harmonioso das forças; a espécie masculina se destaca pela potencialização máxima de forças isoladas.”[30]

Com estas palavras, Edith Stein torna claro o seu pensamento acerca da existência de uma especificidade, a “alma feminina”, que para o universo filosófico soa como uma realidade nova, uma nova forma de conjecturamos a antropologia filosófica. Passaremos agora a contemplar mais de perto o comportamento e os efeitos da espécie da alma feminina.

Espécie de alma feminina.

Tendo percorrido os dois caminhos de investigação filosófica, da fenomenologia e da tradição aristotélico-tomista, podemos agora abordar o aspecto da espécie feminina que será desenvolvido utilizando os mesmos critérios, conjuntamente. Com as características abstraídas da fenomenologia bem como por meio do raciocínio aristotélico-tomista, Edith Stein afirma que mesmo sendo uma só a natureza humana, há distinções que se fazem notar entre homem e mulher, enquanto ser. Em ambos os casos, acontece um fenômeno chamado de individuação, mas que apresentaremos somente no próximo capítulo.

Apresentaremos neste sub-capítulo a visão de Edith Stein no que diz respeito às características típicas da mulher, tendo já esclarecido a existência da especificidade da alma feminina que ela pôde verificar pelos seus estudos e sua vivência empática, para uma melhor compreensão do ser feminino. A especificidade da mulher segundo E. Stein consiste em que:

“A atitude da mulher é pessoal sob vários aspectos. Primeiramente, ela gosta de dedicar-se com toda a sua pessoa àquilo que que (sic) está fazendo. Além disso, tem um interesse especial na pessoa viva, concreta, tanto no que diz respeito à própria vida quanto a outras pessoas e assuntos particulares”. [31]

Como ser específico, a alma feminina atribui um fim à mulher, uma vocação em que todo o seu ser está em função desse mesmo fim. Com isso, nos parece claro que, a mulher tem uma predisposição natural à maternidade e a ser companheira. Naturalmente ela apresenta uma sensibilidade e compreensão para com o outro segundo nos atesta E. Stein: “Em todas, encontro uma índole comum: o desejo de dar e de receber amor, e com isso, a aspiração de serem tiradas da estreiteza de sua existência real atual para serem guindadas a um ser e agir mais elevado”. [32] Até mesmo a ligação da alma com o corpo se dá de forma diferenciada.

A alma feminina está mais presente em todas as partes do corpo de modo que se sente mais atingida em seu íntimo por tudo que lhe acontece, enquanto para o homem o corpo assume mais o caráter de instrumento que está a seu serviço, o que provoca certo distanciamento. Tal fato incontestável é o recurso dado pela natureza feminina para executar sua missão como mulher. Porém, uma vez mal compreendido gera uma cultura do sexo frágil e o que deveria ser visto como a força é deturpado pela falta de formação.

A mulher trás presente em si uma agudeza espiritual, fato também incontestável que comumente nós ouvimos: “rezar é coisa de mulher”, sua sensibilidade ao transcendente lhe remete a viver em seu íntimo voltada em direção a Deus: “é um fato antigo, que a alma feminina se mostra especialmente receptiva para a religiosidade, de modo que era inevitável que também ela fosse atraída por esse movimento”. [33]

Nesta diferenciação que está estreitamente ligada à vocação materna da mulher, E. Stein acentua uma dupla possibilidade de vivenciá-la: uma de maneira espiritual e outra de maneira biológica. Mesmo que estas conferências de Edith Stein tenham sido em sua grande maioria proferidas a um publico feminino cristão católico, ela acredita que a mulher comporta em si esta abertura ao transcendente independente de religião ou credo.

É o caso, por exemplo, de uma mulher que profundamente tocada pela sua missão especifica dedica sua vida em favor de outros no celibato. Poderia tal mulher chegar à plenitude do ser feminino, já que a maternidade faz parte da essência feminina? Responderia E. Stein: “com toda certeza!”. Pois, da mesma forma que uma mulher seja mãe biologicamente falando ainda assim lhe é preciso todo um trabalho interior de maturação humano-espiritual para se chegar ao escopo de sua plena maturidade.

Segundo E. Stein a maternidade é uma atitude de alma, é um colocar-se completamente a serviço do outro que necessita de cuidado; é ser desperta e estar atenta à necessidade alheia. Por sua vez o ser companheira estar ao lado do homem, não se limita a relação marital, mas é antes um dar de si, de sua feminilidade, de sua capacidade de humanização, de fazer com que as coisas ao seu redor ganhem novas ‘cores’, as ‘cores’ da humanização. Pois, “o amor serviçal para com todas as criaturas, que é a essência da maternitas, também deve brotar espontaneamente do amor de Cristo. Por isso, a mulher que não é nem esposa nem mãe, precisa comprovar essa maternidade espiritual em suas atitudes e ações.” [34]

Não poderíamos esquecer um aspecto que foi conquistado no século passado pelas mulheres, a profissão. Como vimos no primeiro capitulo E. Stein viveu esse novo acontecer nas práticas femininas e em sua analise contempla o aspecto acima referido:

Essa atividade, economicamente ativa, é aceita como um mal necessário, sem muita reflexão ou resistência. Nas classes média e alta, a atividade profissional da mulher (com exceção de bem poucas ocupações) era considerada algo inaceitável e inconveniente desde a época da reforma, que negando o ideal da virgindade acabou restringindo a atuação da mulher ao seio da família, até há poucas décadas passadas.”[35]

Por outro lado, Edith Stein como uma mulher que está para além do seu tempo Também observa:

“É necessário que estejamos conscientes de que nos encontramos no começo de uma grande revolução cultural, que estamos passando pelas doenças infantis e que ainda falta realizar um trabalho essencial e básico; que é necessário voltar à natureza do homem e da mulher para podermos preparar uma formação e distribuição profissional, que corresponda à índole de cada um, de modo que alcancemos, aos poucos, uma inserção natural dos sexos no corpo social.”[36]

Neste contexto, a principal questão seria a conciliação da vida familiar de mãe, esposa, cuidar de uma casa com o trabalho fora de casa. Para E. Stein “não há profissão que não possa ser exercida por uma mulher.” [37] Contudo, é preciso perceber que se faz necessária cautela para que essa busca de uma profissão não seja simplesmente um ter que se esforçar à maneira dos homens, pois isso ocorre num prejudicial risco para a mulher, levando-a muitas vezes a expressar: “preciso trabalhar para não ser inferior aos homens”.

Com tudo isso, E. Stein, soube perceber os traços de mulheres que fizeram de sua vida uma lição e que mesmo enfrentando os riscos não perderam sua sensibilidade, característica esta peculiar de seu ser mulher:

“Apesar dessa imagem triste da média das mulheres, encontramos em todos os âmbitos da vida verdadeiras heroínas que na vida profissional ou familiar e na reclusão de um convento chegam a realizar milagres de desempenho. Todos nós conhecemos, seja dos anais da igreja, seja de nossa própria experiência: as mães que irradiam todo calor e toda a luz do lar, que criam nove filhos próprios..., mesmo assim, ainda conservam seu coração aberto para as necessidades dos outros.”[38]

Potencialidades existentes em seu ser, uma vez trabalhadas tornam a mulher uma potência, capaz de atos jamais vistos, de ações antes impensáveis. E é justamente para isto que E. Stein empreende uma verdadeira batalha nesta descoberta do ser feminino. O seu maior desejo estar em fazer com que a mulher não mais esteja paralisada em si mesma, presa a um pensamento de emancipação que nada mais é do que a ratificação de uma realidade machista, como veremos no capítulo seguinte.

Stein em sua análise conclui, “que o centro da alma feminina é a afetividade”,[39] justamente por uma busca de amar e ser amada. Sua preocupação se volta para o aspecto da formação, mas que para nós consiste no que une os indivíduos femininos na espécie feminina. A forma substancial é fechada em suas determinações de maneira a não admitir nenhuma outra atuação diferencial que possa vir a modificar a forma, portanto a mulher que quer viver sua missão de mãe e companheira precisa desenvolver-se. Caso contrário, conviveremos com um atrofiamento constante do ser mulher.

Seguindo o conceito de forma substancial que é a potencialização determinadora da matéria, que em sua constituição como forma potencializadora não há possibilidade de uma mudança. Portanto, um ser humano que possui em sua matéria a forma determinante do ser feminino ele possui essencialmente uma alma feminina, é constituída como mulher. Isso nos assegura que uma vez assumida na matéria a forma feminina, o seu ser mulher estará delimitado a tal forma.


[1] El conocimiento y comprensión de la realidad del a. humana, y la expresión de ese conocimiento, han sufrido sus lógicas vicisitudes a lo largo de la historia; pero, de un modo o de otro, con mayor o menor acierto, no han faltado en las diversas épocas, pensadores, escuelas, etc. (salvo las excepciones, por lo demás dudosas, del materialismo, v.). De modo que puede decirse que el conocimiento del a. humana, bien como principio vital general, bien, al menos, como principio de conocimiento, de conciencia o de voluntad, bien como lo inmortal e imperecedero de cada ser humano individual, es algo que pertenece al conocimiento natural, espontáneo y más o menos inmediato, de todo hombre http://www.canalsocial.net/GER/fic? id=5612&cat=filosofia

[2] BELLO. Ângela Ales, A fenomenologia do ser humano. Pág. 155

[3] STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. Pág. 207.

[4] IDEM, pág. 59.

[5] IBIDEM

[6] BELLO. Ângela Ales. A fenomenologia do ser humano. Pág. 154

[7] STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. Pág. 59

[8] FENONENOLÓGIA, única noção hoje viva de fenomenologia é a anunciada por Hussel em Investigações lógicas... e depois desenvolvida por ele mesmo nas obras seguintes. O próprio Hussel preocupou-se em eliminar a confusão entre psicologia e fenomenologia. Esclareceu que psicologia é a ciência de dados de fato; os fenômenos que ela considera são acontecimentos reais que, juntamente com os sujeitos as que pertencem, inserem-se no mundo espaço-temporal. A F. (que ele chama de “pura” ou “transcendental”) é a ciência de essências (portanto, “eidética”) e não de dados de fato, possibilitada apenas pela redução eidética, cuja tarefa é expurgar os fenômenos psicológicos de suas características reais ou empíricas e levá-los para o plano da generalidade essencial. A redução eidética, vale dizer, a transformação dos fenômenos em essências, também é redução fenomenológica em sentido estrito, porque transforma esses fenômenos em irrealidades... Com esse significado, a F. constitui uma corrente filosófica particular, que pratica a filosofia como investigação fenomenológica, ou seja, valendo-se da redução fenomenológica e da epoché. Os resultados fundamentais a que esta investigação levou Hussel podem ser resumidos da maneira seguintes: 1º O reconhecimento do caráter intencional da consciência, em virtude do qual a consciência é um movimento de transcendência em direção ao objeto e o objeto se dá ou se apresenta à consciência, “em carne e osso” ou “pessoalmente”; 2º evidencia da visão (intuição) do objeto devida à presença efetiva do objeto; 3º generalização da noção de objeto, que compreende não somente as coisas matérias, mas também as formas de categorias, as essências e os “objetos ideais” em geral; 4º Caráter privilegiado da “percepção imanente”, ou seja, da consciência que o eu tem das suas próprias experiências, porquanto nessa percepção aparecer e ser coincidem perfeitamente, ao passo que não coincidem na intuição do objeto externo, que nunca se identifica com suas aparições à consciência, mas permanece além delas. (ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de filosofia, Pág. 438)

[9] MÉTODO FENOMENOLÓGICO, por se trata de um método, se faz necessário expor como E. Stein procede com o mesmo. Ela foi a que realizou a sua formação fenomenologia mais diretamente com seu criador sendo sua assistente logo depois de laurear-se. O fato de não concordar com a idealidade do conteúdo cognitivo proposto por Husserl bem como um distanciamento das perguntas metafísicas acerca da origem do eu cognitivo. Ela “afirma ter identificado a essência da essência, que consiste não só no ser essencial, mas também no ser atual-real, nos seus objetos” (BELLO. Ângela Ales, A fenomenologia do ser humano. Pág. 89). Seu objeto de estudo compreendendo questões da existência dentre outros não mais possibilitara restringir-se a fenomenologia. Todavia, nas suas investigações que caracterizam sua originalidade ela permanece fiel ao principio fenomenológico que antes de ser um repudio é ao ser ver a possibilidade de uma ampliação do método.

[10] matéria (do latim materia) Um dos principios que constitue a realidade natural, isto é, os corpos. São as seguintes as principais definições dadas da M.: 1ª M. Como sujeito; 2ª M. Como potencia; 3ª M. Como extensão; 4ª M. Como força... 2ª...Aristoteles identifica a M. Com a potencia: “todas as coisas produzidas, seja pela natureza, seja pela arte, têm M., pois a possibilidade que cada uma tem de ser ou não ser é a M. De cada uma”... Como potência operante, a M. Não é um principio necessariamente corporéo. (ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de filosofia, Pág. 647)

[11] Cf. STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. Pág.57

[12] STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. pág. 55

[13] Cf. IBIDEM

[14] IDEM. Pág.57

[15] Cf. STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. pág. 73

[16] IDEM. Pág. 96

[17] STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. pág. 88

[18] IBIDEM

[19] ARISTOTELISMO, por esse termo enterdem-se alguns fundamentos da doutrina de Aristóteles que passaram à tradição filosofica ou que inspiraram as escolas ou os movimentos que se reportam mais diretamente ao próprio Aristóteles, como a escola peripatética... Tais fundamentos podem ser resumidos da seguinte forma: ... 2º Conceito de metafisica como filosofia primeira e teoria da substancia, assim como fundamento da enciclopédica completa das ciências. 3º Doutrina das quatro causas (formal,material, eficiente, final) doutrina do movimento como passagem da potencia ao ato, que permitiram a interpretação de toda a realidade natural... As várias correntes do A. Só se reportaram, habitualmente, alguns desses fundamentos; isso explica por que o a. Ora apareceu como metafísica teológica (na Escolástica medieval), ora como espiritualismo (no Renascimento), ora como espiritualismo (em algumas interpretações modernas). (ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de filosofia, Pág. 79).

[20] Tomismo, fundamentos da filosofia de S. Tomás, conservados e defendidos pelas correntes medievais e modernas que nele se inspiram. Podem ser assim resumidos:...3º Caráter abstrativo do conhecimento, que consiste em abstrair do objeto, em qualquer caso, a espécie sensivel ou a espécie inteligivel(que corresponde à essência da coisa). 4º A individuação depende da matéria assinalada. (ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de filosofia, Pág. 962)

[21] STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. Pág.187

[22] “Ente constitui tudo aquilo acerca de que se pode construir uma proposição afirmativa”. Aquino. Sto. Tomás de. Os pensadores. Pág 9

[23] IDEM. Pág 10.

[24] JACINTA, Turolo Garcia. Edith Stein, e a formação da pessoa humana.pág.59

[25] IDEM. Pág. 9

[26] MIRANDA, Maria do Carmo Tavares de. O ser da matéria, pág 85.

[27] Cf. Aquino. Sto. Tomás de, Os pensadores. Pág11

[28] Cf. MIRANDA, Maria do Carmo Tavares de. O ser da matéria, pág. 97.

[29] STEIN, Edith. A mulher, sua missão segundo a natureza e a graça. Pág. 186

[30] IDEM. Pág.206

[31] IDEM. Pág 282

[32] IDEM. Pág. 102

[33] IDEM, pág. 164

[34] IDEM, pág. 224

[35] IDEM. Pág.160

[36] IDEM. Pág161

[37] IDEM. Pág. 61

[38] IDEM. Pág. 69

[39] IDEM pág. 122

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