PEREGRINAÇÃO: NOS PASSOS DE EDITH STEIN

PEREGRINAÇÃO: NOS PASSOS DE EDITH STEIN

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

SANTA TERESA BENEDITA DA CRUZ – EDITH STEIN

Dia 9 de agosto no Carmelo é celebrada a festa litúrgica de S. Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), nascida a 12 de outubro de 1891 e tida como desaparecida dia 9 de agosto de 1942, no campo de concentração de Auchwitz. Judia, Filósofa, Edith Stein foi considerada por João Paulo II como uma personalidade síntese do drama do século XX.

Apresentamos abaixo parte do texto das fichas 38 e 39, extraído da obra de Francisco Javier Sancho Fermín, 100 Fichas sobre Edith Stein, Edições Carmelo, Marco de Canaveses, Portugal.

"Preparada para o martírio

Há muitos anos que Edith intuía o que ia acontecer: "Se te decides por Cristo, isto pode custar-te a vida" (OC V, 632). Assumira, até às últimas consequências, o significado da sua vocação e da sua íntima união com Cristo, já que se "quiser entrar com Ele na glória celeste, ela mesma tem que se deixar cravar na sua cruz" (OC V, 651).

A situação começou a tornar-se ameaçadora; quase no mesmo instante enfrentava-se com o seu último escrito, a Ciência da Cruz. Um título que surge da identificação vocacional com São João da Cruz e com tudo o que está a acontecer. 0 jesuíta J. Nota, que esteve em contacto com Edith Stein em Echt, diz-nos: "No contacto com ela notava-se particularmente a presença de Deus. Estou plenamente convencido de que na sua Ciência da Cruz ela escreve por experiência pessoal. Atrevo-me mesmo a chamar-lhe mística" (Positio 397).

As páginas deste livro estão cheias desse amor à cruz, desta sabedoria da cruz paulina. Ela sabe que não é uma teoria e que "uma scientia crucis só se pode adquirir se se chega a experimentar profundamente a cruz" (Ct 1383).

Da vivência pessoal da cruz de Cristo, tira-se como consequência imediata não só o seu grau de configuração com Cristo, mas também a sua vivência antecipada do maior gesto de amor: dar a vida pelos outros, o martírio. No seu Testamento mostrava claramente a sua disponibilidade, tal como no seu oferecimento pela paz.

Foi assim como ela sempre se viu. Por isso, encontrou o seu modelo precisamente na rainha Ester. A sua função não consiste em morrer, mas em interceder com toda a alma e disponibilidade, inclusive contando com a possível morte. Uma entrega que, a exemplo do seu Mestre e unida a Ele, tem um valor apostólico redentor. Numa das suas peças teatrais, titulada Diálogo noturno, escrita em 1941, ela representa a Rainha Ester. Apresenta-se diante da prioresa do convento solicitando voluntárias que, como ela, queiram arriscar a vida para salvar o seu povo (cf. OC V, 729 ss).

Na fé cristã esperou a chegada da sua morte. E assim a contempla a Igreja. Na Ciência da Cruz, Edith oferece-nos um belo texto aplicado a João da Cruz, mas que nos pode também ajudar a compreender o mistério da sua vivência interior, a sua disposição total, por amor a Deus e por amor ao seu povo: Quem podia falar assim, estava configurado intimamente com o Crucificado. Tinha chegado o momento em que, inclusive externamente, tinha de morrer com morte de amor na cruz. Agora faltavam cumprir-se os seus últimos desejos: "Só desejo que a morte me encontre num lugar isolado, longe do convívio com os homens, sem irmãos do convento para orientar; sem alegrias que me possam consolar, provado com todas as penas e dores. Quereria que Deus me provasse como servo, depois d'Ele ter provado no meu trabalho a resistência do meu caráter; quereria que me visitasse com a doença, como me provou na saúde e na força; quereria que me deixasse tentar no opróbrio, como o fez com o bom nome que tive diante dos meus inimigos. Senhor, digna-te coroar a cabeça do teu indigno servo com o martírio..." (OC V, 468).

E foi essa a realidade que experimentou com toda a crueza ao chegar a Auschwitz- Birkenau, morrendo na câmara de gás, despojada até do hábito, no meio do horror que se sente ao contemplar como crianças e adultos eram assassinados em massa, e despojados de toa a sua dignidade humana.

De Echt a Auschwitz

No domingo, dia 2 de Agosto de 1942, irrompiam no Carmelo de Echt os policiais que vinham buscar Edith e Rosa. Tinham ordem de as prender imediatamente e de as levar consigo. Deram-lhes apenas 10 minutos para recolher o imprescindível e despedirem-se da comunidade.

Neste mesmo dia foram presos outros religiosos e religiosas, alguns deles muito conhecidos de Edith: a irmã Miriam Michaelis (das Irmãs de São José), a irmã Aloisa Lõwenfelds (Congregação das pobres servas de Jesus), Ana Maria e Elfrieda Golschmidt (ursulinas de Echt), Ruth Kantorowitz, Alicia Reis (afilhada de batismo de Edith), a médica Lisamaria Meirowsky, a irmã Caritas Bock, os irmãos trapistas Loeb e o franciscano Wolgang Rosenbaum.

As duas irmãs Stein foram levadas diretamente para Roerdmond. Ali esperavam-nas uns caminhões que as transportavam com muitos outros para o campo de concentração de Amesfoort. Chegaram aqui à noite porque os condutores se perderam no caminho. Estiveram aqui dois dias completos. Em Amesfoort, o Conselho judeu podia prestar pequenas atenções aos judeus, como por exemplo, a possibilidade de enviar algum telegrama. 0 que Edith enviou ao seu convento chegou no dia 5.

Na noite de segunda-feira foram levadas para a estação de comboios da localidade. Ali obrigaram-nas a subir para um comboio em direção a Hooghalen. Dali foram a pé até ao campo de concentração de Werterbork, demorando cerca da uma hora a percorrer os 4 quilômetros. Chegaram na terça-feira à noite.
A comunidade de Echt ficou muito preocupada pelo destino das duas irmãs. Logo que receberam o telegrama enviado por Edith, procuraram quem lhes pudesse levar a Westerboork algumas coisas necessárias: mantas, roupa... Na quinta-feira, dia 6 de Agosto, as pessoas que lá chegaram à tarde, comprovaram para sua admiração que Edith irradiava uma grande paz e serenidade. Na sua última carta anuncia já o que se avizinha: a mudança para Este.

Nestes dias, Edith coincidiu com Etty Hillesum que, numa das suas cartas diz como se impressionou com a presença de religiosas e religiosos com a estrela amarela no hábito.

E assim aconteceu. No dia 7 de manhã cedo puseram-nos novamente a caminho para a estação de Hooghalen. Um comboio levou-os para Auschwitz-Birkenau, um campo construído e ampliado posteriormente para o extermínio dos judeus e outros indivíduos (ciganos, homossexuais, doentes psíquicos...). Uma longa viagem que chegaria ao fim no dia 9. 0 comboio passou por uma localidade muito familiar a Edith: Schifferstadt, muito perto de Espira. Aqui ficou o último testemunho de Edith ainda viva, que, pela janela do comboio, pôde enviar umas saudações aos seus conhecidos através do chefe da estação. 0 comboio dirigiu-se depois para Este, onde os esperava a morte.

0 comboio chegou a Auschwitz no dia 9 de Agosto, uma semana depois de ter sido arrancada do seu convento. Rosa e Edith iam decididas a entregar a vida por amor ao seu povo. Nas listas de prisioneiros Edith tinha o número 44.070."

Uma vida que deixou marcas...

Por ocasião dos 40 anos da morte de Edith Stein, apareceu o informe de Joahannes Wieners, motorista de um ônibus dos correios ZBV. Narra ele o encontro com um vagão na estação de manobra dos trens de Breslau. Um sentinela abriu a porta corrediça do vagão. Assim o refere com sua palavras:

"Vimos então pessoas prostradas, atiradas apáticas sobre o chão do vagão. Ficamos impressionados com o fedor que desprendia do vagão. Então apareceu na porta uma mulher com hábito de monja. Como parecia que me mostrava compassivo, disse-me: "É terrível; nem sequer temos recipientes onde fazer nossas necessidades". Olhei-a interrogativamente e disse-me, vacilando: "Agora vamos para a morte". Impressionou-me muito aquilo. Então perguntei-lhe sério: "Sabem isto os que vão com a Senhora?" E com a voz embargada respondeu: "É melhor que não o saibam".... Perguntei-lhe: "Podemos dar-lhe alguma coisa para comer ou beber?" Respondeu-me: "Não, obrigado; não aceitamos nada". No vagão podia ler-se que vinha da Holanda.... quando voltei do cativeiro, em 1948, li um folheto sobre Edith Stein. Na foto reconheci a monja daquele dia, 7 de agosto de 1942. Como dia de sua morte, colocaram 9 de agosto."

Outro testemunho, do Sr. Wielek, funcionário holandês de Westerbork, publicado no jornal De Tijd em 1952, refere-se à serenidade de Edith, mesmo em meio aos sofrimentos. Referindo uma conversa que tivera com Edith, ela dizia: "O mundo está feito de opostos... porém no final não restará nada destes contrastes. Somente permanecerá o grande amor". (do livro: El verdadero rostro de Edith Stein, de Waltraud Herbstrith, Ediciones Encuentro, Madrid 1990).

Fr. Alzinir Debastiani
(Padre Provincial da Ordem dos Carmelitas Descalços - Província São José - Sudeste - Brasil)

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Postado por Luciano Dídimo no OCDS - PROVÍNCIA SÃO JOSÉ em 8/09/2010 12:02:00 AM

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